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abril 13, 2012

Quantas Teclas tem o Piano?

Era inverno, a neve cobria os campos, Betina Rentovska se sentia escravizada dentro de sua própria casa, pois o gelo bloqueava as estradas de acesso à civilização. A angústia tomava conta e Betina apenas fazia a coisa mais importante da sua vida...tocar piano....
Morava retirada da cidade mais próxima, uma pequena cidade no interior da Rússia, muitas léguas de moscou, mais próxima da região da Sibéria...tudo era difícil e isolado, na sua casa, melhor casebre não havia energia elétrica a água provinha de poços e com o inverno tinha que se contentar derretendo a neve, mesmo que ainda restava um pouco, muito pouco de lenha. Betina tinha um velho piano ja desafinado que herdara da avó materna, mas era seu alimento, nutria sua alma, Betina devorava a música, fazia com que se sentisse viva e feliz, com forças para manter sua vida triste e solitária. Os dias foram se passando, e o inverno cada vez mais rigoroso, a lenha já estava escassa, da comida só restava as pernas de uma lebre que Betina mantinha coongelada sob o gelo do quintal. Betina não tinha como sair de casa, não havia vizinhos, não havia caça, sempre calculava os mantimentos de acordo com o tempo dos invernos passados, mas nesse ano, o inverno se prolongou, Betina começava a entrar em pânico, só restava agora, apenas um tronco de lenha que dava para passar a noite. Sem aquecimento, certamente morreria congelada sob a densa camada de gelo que cobria seu casebre, pequeno e aconchegante. Deseperada, Betina vasculhou a casa em busca de objetos que poderia virar combustível, havia alguns livros velhos, alguns bibelôs de sua avó, um pequeno berço que era relíquia de sua infância. Sim, Betina ainda guardava seu berço como recordação, a única coisa que tinha, desde que seus pais foram assassinados a mando do Czar. Era de família rica e tradicional na antiga Sant Pettersburg, sua família tinha história na carreira política russa. Mas, Betina herdara a decadência, a perseguição, a degradação. Betina era a última sobrevivente da família Rentovska e vivia foragida, escondida da ditadura russa. Betina não tinha ares guerrilheiros e políticos como o pai, herdara a alma artística da mãe e da avó. Sua avó era pianista, filha de uma pianista consagrada e o dom artístico fora passando de geração em geração. O piano, era o tesouro mais precioso que a família pode salvar, veio para o casebre no meio da noite, sendo puxado por trenós, e haja cães. Mas Betina, nunca decepcionou o matriarcado, alimentava-se da música. Todas as manhãs acordava já com a música que iria executar ao piano. Tinha Chopin, Mozart, Beethoven, Puccini, Listz, Vivaldi...seu compositor preferido era Brahms, pela sutileza das obras, Brahms tinha o poder de tocar sua alma como se fosse uma pluma descendo lentamente do céu. Para Betina, Brahms era Deus se manifestando. Sentava ao piano e tocava, não só tocava, sentia a música, podia apalpar as notas, as via flutuando coloridas pelo ar, a música tinha vida e era muito colorida, suspirava e era como se sentisse as notas entrando por suas narinas e nutrindo seu corpo já debilitado pelo tenebroso inverno. Mas, Betina não se incomodava isso era apenas quimeras para ela, o que importava era a música. Aquelas partituras cujo cheiro era peculiar de tão velhas e amareladas.
Passaram-se mais alguns dias, e a comida acabou, ainda restava alguns pedaços do berço para virar combustível e Betina empalidecida de fome, começou a devorar as partituras, a primeira a ser devorada fora Mozart, Betina achava Mozart alegre e ousado, devorou Mozart com a intenção de roubar sua ousadia e sua alegria. Passou mais um pouco e devorou Chopin, Betina se identificava com o romantismo de Chopin, Beethoven para equilibrar seus lados ora agressivo ora dócil e assim foi devorando as partituras que a tinham alimentado tanto tempo. Betina não teve coragem de devorar Brahms, deixou para uma ocasião especial. E a lenha também acabara, e não restava outra alternativa a não ser queimar o piano...o PIANO....já não tinha mais comida, e o velho piano estava agora sendo destruído a machadadas para virar combustível. Betina, se sentia como se estivesse mutilando a si mesma. Cada golpe no velho piano, seu corpo sofria também, aquelas machadas cruéis, sentia doer no coração como se fossem farpas envenenadas, a sensação parecida de quando você tem uma grande decepção com alguém que você ama muito. Aquela sensação de crueldade de que você está desfalecendo aos poucos, que vai morrendo e com o descaso de ir apenas ir, sem a sorte nem de um beijo de despedida, apenas a sua solitária dor. E Betina, faminta de corpo e alma, olhou para as teclas do piano, apenas restavam as teclas inteiras...e foi devorando uma a uma, como se aquilo pudesse também alimentar sua alma, que pouco a pouco morria sem a vitalidade da música. Betina percebeu que era o seu real fim, olhou para aquele amontoado de teclas e já com pensamentos confusos pela debilitação, perguntou a si mesma...quantas teclas tem o piano? E, devorando uma a uma, lembrando da sonata em fa maior de Brahms, sentia seu corpo desfalecendo e Brahms como Deus, vibrando na sua alma....Betina desfalecia, sem mesmo a sorte de um beijo de despedida...

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